A lei é um ato político que representa a vontade do povo. No dia 7 de agosto de 2006, foi editada a lei federal n.º 11.340, conhecida como “Lei Maria da Penha”, que entrou em vigor a partir do dia 22 de setembro de 2006. Essa lei completa 14 anos de existência, cria mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher e estabelece medidas de assistência e proteção às mulheres em situação de violência doméstica e familiar. A Lei traz alguns avanços no combate a violência e proteção as mulheres; contudo, infelizmente, ainda não é capaz de cumprir a por completo sua finalidade. Temos muito para fazer. Há, por força da lei, um discurso jurídico, dotado de poder, que para produzir o efeito de autoridade e exigir o cumprimento, precisa fazer com que haja uma certeza, ainda que de forma imaginária, que as instituições estão equipadas para dar proteção as mulheres e que os agressores efetivamente são penalizados. O reconhecimento, protagonista, na lei, de todo tipo de união – hetero ou homossexual – quebra a memória discursiva de que a “família” é constituída apenas pela união de sexos opostos (homem e mulher), pelo casamento civil com a necessidade de coabitação. Para a lei, basta a convivência das pessoas na unidade doméstica ou que tenha uma relação de afeto. A união entre mulheres, como forma de constituição de entidade familiar, é perfeitamente possível, inclusive com aplicação da Lei Maria da Penha. Assim a lei adere a um posicionamento em favor da mulher frágil e vitimizada, pressupõe um homem agressor (art. 5.º, III) e ao estabelecer as várias formas de violência (art. 7.º) e ações articuladas (art. 8.º), reforça a imagem que o Poder Estatal possui da mulher, além de romper com uma prática até então “aceitável” na sociedade, pois a violência passa a ser entendida como problema social que necessita de tratamento de reeducação e recuperação por parte do agressor (“Art. 45. Parágrafo único – Nos casos de violência doméstica contra a mulher, o juiz poderá determinar o comparecimento obrigatório do agressor a programas de recuperação e reeducação”) e do envolvimento de todos e, principalmente, de uma rede de proteção. A “Lei Maria da Penha” é dotada de uma ideologia feminista contrária à ideologia machista/patriarcal existente em nossa sociedade, na qual à mulher era destinado um lugar secundário não mais admitido. A ideologia machista durante anos serviu e ainda serve como meio de manutenção de poder e do status garantido ao homem, ocorre que, em razão das modificações sociais, houve alterações nas condições de produção do discurso, que tornam possível a existência do discurso legal-jurídico em prol das mulheres. Temos muito para comemorar, mas temos muito a fazer para que os índices de violência contra a mulher caiam drasticamente. Em briga de marido e mulher, com a Lei Maria da Penha, todos nós devemos meter a colher. A violência praticada contra a mulher é violência praticada contra toda a sociedade, toda a humanidade, inclusive eu e você.
Acir de Matos Gomes
Advogado e vice-presidente da subseção da OAB-Franca