De acordo com o artigo 13, parágrafo único, inciso II, da Lei 9656/1998 (Lei dos Planos de Saúde), pode ocorrer a suspensão ou a rescisão unilateral do contrato pelo não-pagamento da mensalidade por período superior a 60 (sessenta) dias, consecutivos ou não, nos últimos 12 (doze) meses de vigência do contrato, desde que o consumidor seja comprovadamente notificado até o 50º (quinquagésimo) dia de inadimplência, no caso de contratos individuais e familiares.
A Agencia Nacional de Saúde Suplementar (ANS), orienta que algumas informações devem constar da notificação enviada ao beneficiário para fins da suspensão ou rescisão unilateral do contrato como, a identificação da operadora e do consumidor beneficiário, o plano de saúde contratado, o número de dias de inadimplência e as consequências decorrentes do não pagamento das prestações mensais, pelo período de 60 (sessenta) dias consecutivos, ou não, nos últimos 12 meses de contrato. Sem o cumprimento desses requisitos, a ação da operadora do plano de saúde poderá ser considerada ilegal e abusiva, passível portanto, de aplicação de penalidade.
Como dito em outras ocasiões, em razão da pandemia do coronavírus – Covid-19, vivemos uma crise mundial sem precedentes. A inadimplência do consumidor usuário do plano de saúde nesse momento, também, deve ser considerada excepcional.
Sendo assim, poderia em tais circunstâncias haver rescisão unilateral do contrato por parte da operadora do plano de saúde?
Objetivando “o equilíbrio do setor de planos de saúde de forma a que todos os atores permaneçam no sistema durante a crise causada pela pandemia do novo coronavírus, a ANS propôs um acordo às operadoras de planos de saúde: elas poderiam movimentar recursos provisionados e retenções obrigatórias para viabilizar medidas necessárias para o enfrentamento à pandemia. Em contrapartida, deveriam se comprometer a: pagar em dia os profissionais e estabelecimentos de saúde de suas redes de atendimento; renegociar contratos com beneficiários que estivessem com dificuldades para manter o pagamento do plano; e a manter os beneficiários no plano até 30 de junho de 2020”.
Pois bem. Caso a operadora não tenha firmado o termo de compromisso com a ANS e o consumidor usuário do plano de saúde não tenha condições de pagar a mensalidade em razão de uma das consequências da crise da pandemia, como por exemplo, desemprego, redução salarial ou da renda, etc., poderia o contrato do plano de saúde com a operadora ser rescindido?
Aqui estamos tratando apenas dos contratos individuais e familiares.
Como regra, nos planos de saúde e nos contratos de forma geral, a inadimplência gera a rescisão contratual.
Contudo, os tempos atuais são excepcionais pelo fato de que todos os contratos foram atingidos por “questões extraordinárias, que foram além da vontade humana, as quais impedem o cumprimento das obrigações contratadas, o que se denomina “força maior”. Vejamos o que diz o Código Civil:
“Art. 317. Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação.”
“Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado.
Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir.”
“Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.”
Desse modo, considerando-se a redução da atividade econômica e a diminuição da riqueza em circulação, por motivos imprevisíveis e cujos efeitos não era possível evitar ou impedir, haverá descumprimento dos contratos em especial dos contratos de planos de saúde, que tratam de serviços dos quais não se pode prescindir nesse momento em que o mundo inteiro passa por uma situação extrema do ponto de vista sanitário.
Aqui estamos tratando de contratos regulados pelo Código de Defesa do Consumidor – CDC, que busca corrigir desigualdades existentes entre os sujeitos dessa relação jurídica em que evidente se torna a vulnerabilidade do consumidor.
Enfim, acima da lei e do contrato está em discussão o “direito à vida e à saúde”, cuja proteção encontra-se assegurada nos artigos 5º e 6º da Constituição Federal.
A rescisão de um contrato de plano de saúde, em razão de inadimplência do beneficiário, nessa época de pandemia do coonavírus e covid-19, coloca em risco a dignidade da pessoa humana, a saúde e, especialmente, a própria vida, inadmissível, portanto.
Na ocorrência de uma rescisão na atual conjuntura, deve o consumidor buscar os meios legais para ver assegurado seu direito, inclusive, na própria Lei 9656/98, que estabelece:
“Art. 35-C. É obrigatória a cobertura do atendimento nos casos: I – de emergência, como tal definidos os que implicarem risco imediato de vida ou de lesões irreparáveis para o paciente, caracterizado em declaração do médico assistente.”
João Vicente Miguel
Advogado