Mesmo em época de pandemia causada pelo coronavírus Covid-19, as locações imobiliárias tem trazido vários questionamentos no direito do consumidor.
Afinal, existe uma relação de consumo no caso de uma locação de imóvel?. Haveria uma relação de consumo entre o locador e o locatário, ou entre o locador e imobiliária, ou ainda entre o locatária e a imobiliária?
Enfim, o questionamento é saber se o Código de Defesa do Consumidor CDC, seria aplicável aos contratos de locação, considerando-se que, alguns estudiosos entendem como configurada uma relação de consumo.
O fato a ser destacado é que a locação não se sujeita aos ditames do CDC, uma vez que este dispõe:
Art. 2° Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final. (…).
Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços. (…).
Assim, com base nos artigos mencionados, há de se destacar a ausência manifesta da relação jurídica de consumo, visto que o vínculo estabelecido entre as partes (locador e locatário) não se amolda em qualquer dos artigos mencionados.
Além disso, existe legislação específica que cuida das relações jurídicas locatícias, qual seja, a Lei 8245/91, que trata sobre as locações dos imóveis urbanos e os procedimentos correspondentes.
O entendimento da jurisprudência em especial do STJ, é no sentido de que, de fato “não se aplica o Código de Defesa do Consumidor ao contrato de locação regido pela Lei n. 8.245/1991, porquanto, além de fazerem parte de microssistemas distintos do âmbito normativo do direito privado, as relações jurídicas não possuem os traços característicos da relação de consumo, previstos nos artigos 2º e 3º da Lei n. 8.078/1990”.
Entendem alguns que, em se tratando de locação de imóveis com a intermediação de uma imobiliária, somente haverá relação de consumo entre o proprietário do imóvel com a imobiliária e o locatário com a imobiliária, vez que a imobiliária exerce o papel de administradora da atividade de locação, com prestação de serviços não só ao locador como também, ao locatário.
Assim sendo, em se tratando a locação de imóvel próprio, inexistindo a intermediação de uma imobiliária, o contrato não poderá ser questionado com base no CDC, vez que não se trata de relação jurídica de consumo, ou seja, na área do direito do consumidor, e sim de uma relação jurídica na área do direito civil.
Portanto, a tese da jurisprudência consolidada é no sentido de que a atividade da imobiliária trabalha com duas relações jurídicas distintas, ou seja, prestação de serviços, entre o proprietário do imóvel e a administradora, e a de locação propriamente dita, em que a imobiliária atua como intermediária de um contrato de locação.
Referido entendimento é o que melhor se amolda à situação, considerando-se que muitos quando alugam diretamente um imóvel não possuem habilidade de uma imobiliária na prestação de serviço, sendo evidentemente uma relação contratual entre duas pessoas físicas – locador e locatário, uma relação civil, e não de consumo.
Portanto, em resumo, toda vez que o contrato de aluguel for diretamente entre inquilino/locatário e o proprietário/locador do imóvel, inexiste relação de consumo, nesses casos, havendo conflito de interesse as partes devem recorrer à justiça para solução do problema. O órgão de defesa e proteção do consumidor – Procon, somente será acionado se houver relação de consumo, ou seja, quando o conflito se der entre locador/imobiliária, ou entre locatário/imobiliária.
João Vicente Miguel
Advogado