Encontra-se em vigência pelo período de, 10 de junho, até 30 de outubro do corrente ano, a Lei nº 14.010, que dispõe sobre o Regime Jurídico Emergencial e Transitório das relações jurídicas de Direito Privado, em razão da pandemia do coronavírus – Covid-19.
No mundo contemporâneo, com a produção e disponibilização de bens e serviços “em abundância”, o fornecedor passou a ditar as regras em sua própria relação com o consumidor no que diz respeito às cláusulas contratuais, restando portanto, ao consumidor apenas lançar sua assinatura a um documento pré-elaborado para regular a negociação, ou seja, o contrato de adesão.
É fato que a atualidade trouxe um maior dinamismo nas relações de consumo, no entanto, esse modelo serviu para trazer à tona a fragilidade jurídica do consumidor que deixou de participar também, na elaboração das cláusulas do contrato do qual ele era um dos contratantes.
A entrada em vigor da Lei 8.078/90, o Código de Defesa do Consumidor – CDC, em 1991, trouxe à baila o reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo.
Essa nova interpretação contratual, pautada na vulnerabilidade do consumidor, no afrouxamento do modelo clássico do “pacta sunt servanda”, ou, o “contrato faz lei entre as partes”, trouxe ao nosso ordenamento o direito ao arrependimento imotivado, conforme estabelecido no art. 49, do CDC:
Art. 49. O consumidor pode desistir do contrato, no prazo de 7 dias a contar de sua assinatura ou do ato de recebimento do produto ou serviço, sempre que a contratação de fornecimento de produtos e serviços ocorrer fora do estabelecimento comercial, especialmente por telefone ou a domicílio.
Pela própria vulnerabilidade do consumidor, o legislador contemplou este com um prazo de 07 (sete) dias, para desistir do contrato sem qualquer motivação, e ainda sem qualquer penalidade ou encargo, durante o prazo de reflexão, para que compras por impulso (ou não) pudessem ser desfeitas.
Com o crescente número dos contratos eletrônicos, aqueles realizados por meio da internet, o direito ao arrependimento firmou-se, de vez, como mecanismo de proteção do consumidor compungido, ou seja, arrependido.
No entanto, a vigência do art. 49, do CDC, encontra-se SUSPENSA por razões de força maior, visto que, a pandemia mundial do coronavírus Covid-19, problema de saúde global que assolou, ainda de forma incalculável, a economia de diversos países de todo o globo, reclama por soluções jurídicas hábeis à regulação das relações obrigacionais afetadas, inclusive, pelo isolamento social.
Na atual conjuntura de incertezas econômicas e insegurança jurídica, a conclusão a que se chegou é de que absolutamente todos, fornecedor e consumidor, tornaram-se vulneráveis, isolados em suas casas e impossibilitados de produzirem e consumirem nas mesmas condições anteriores à pandemia.
Como se sabe, vivemos uma crise, todos nós encontramo-nos em fase de readaptação à uma nova situação e realidade. Com relação aos contratos, muitas foram as iniciativas para tentar compatibilizar tanto os interesses dos consumidores, com relação a sua vulnerabilidade no mercado de consumo, como dos fornecedores, que precisam se reinventar para resolver seus custos e perdas advindos da paralisação das atividades em muitos centros urbanos.
Assim, objetivando estabelecer um conjunto de regras no mínimo uniforme frente as situações decorrentes do impacto das medidas de contenção do avanço do coronavírus e evitar, ações dos oportunistas, em tempos de crise, foi sancionada a Lei 14.010, de 10 de junho de 2020, que propõe a criação de um Regime Jurídico Emergencial e Transitório para as relações privadas.
Segundo sua justificação, com relação do Direito do Consumidor é não alterar as leis vigentes, dado o caráter emergencial da crise gerada pela pandemia, mas apenas criar regras transitórias que, em alguns casos, SUSPENDAM temporariamente a aplicação de dispositivos dos códigos e leis extravagantes.
Ainda no que tange às relações de consumo, merece destaque o disposto no artigo 8º da referida Lei, o qual determina que “até 30 de outubro de 2020, fica SUSPENSA a aplicação do art. 49 da Lei nº 8.078/90, CDC, na hipótese de entrega domiciliar (delivery) de produtos perecíveis ou de consumo imediato e de medicamentos.
João Vicente Miguel
Advogado