“Se você não treinar, não vai competir. É assim que é”, afirma Jefferson Batista Pereira, 29 anos, atleta da APAE (Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais) de Franca. A frase pode ser simples, mas para o atleta multicampeão, foi a disciplina do esporte que o ajudou a se desenvolver motora e intelectualmente, vencer os desafios da vida e do mundo.
Jefferson possui deficiência intelectual. Hoje mora com o pai, no Jardim Paraty. “Meu pai e minha mãe são pessoas separadas, e eu resolvi morar com ele”.
Antes de se tornar um campeão nas pistas e quadras, Jefferson enfrentou desafios em sua educação e desenvolvimento motor. Aos 5 anos de idade, ele chegou à educação especial da APAE e foi encaminhado para o esporte, já que sua hiperatividade dificultava a concentração na sala de aula.
Com treinamento e dedicação, ele cresceu no esporte e foi convocado para as Olimpíadas Nacionais em 2009, quando ainda não fazia parte da equipe de esportes da APAE Franca. Um dos atletas – Sérgio Alves Florêncio, o Serginho -, não pôde participar dos jogos em Belo Horizonte, em Minas Gerais, e Jefferson foi recrutado.
“Tenho a primeira cesta (no basquete) dele gravada nessa competição. A gente estava perdendo o jogo para o Maranhão. Ele era reserva, não tinha entrado ainda no jogo, os meninos estavam muito cansados. Ele era magrinho, mas ele arremessava bem de fora. Aí eu falei: ‘Jefferson, vai lá. Você não deixa ninguém chegar perto de você: recebeu a bola, você arremessa’. E a primeira bola que ele pegou, ele arremessou e fez a cesta”, relembra o coordenador de Esportes e Artes da APAE Franca, o professor Adauto Edson Ferreira.
Um dos momentos marcantes na carreira de Jefferson foi em Jaboticabal, em 2013, quando o titular da equipe de futsal e atletismo da APAE Franca, Muller Aparecido Cintra, se machucou e Jefferson assumiu seu lugar. Mesmo não sendo titular, Jefferson se deu muito bem, conquistando a medalha de campeão no futsal.
E teve mais. No atletismo, ao ser questionado pelo professor sobre quem correria no lugar de Muller, Jefferson com tanta inspiração falou: “Deixa eu fazer no lugar do Muller, que eu vou ganhar a prova”. E ganhou, conquistando a primeira medalha no revezamento 4 x 100.
Mas o amor pelo esporte não é o único vínculo de Jefferson com a APAE. “O que pôr para fazer, eu faço”, diz orgulhoso. Já trabalhou como participante do programa Emprego Inclusivo da APAE de Franca, na biblioteca do Uni-Facef e anexando papéis na Cetesb, além de lixador de sola na JP. “Passei por tudo, passei por todos os setores”, afirma.
Mas o esporte é seu grande amor, como ele mesmo declara: “(O basquete e o atletismo) são minha vida e meu amor”. Atualmente, ele vai à APAE três dias por semana para participar do Emprego Inclusivo. E espera o carnaval passar, para voltar à rotina de treinos dentro do projeto de Esporte, com treinamento específico de atletismo e basquete.
O professor de educação física Alexandre de Oliveira Matos, o atleta da APAE Franca Jefferson Batista Pereira e o coordenador de Esportes e Artes da instituição, Adauto Edson Ferreira
Multicampeão
As mais recentes conquistas de Jefferson foram três medalhas de ouro na 23ª edição das Olimpíadas Nacionais das APAES, disputadas em dezembro de 2022, em Aracajú (SE). O atleta da APAE Franca foi campeão no basquete e no atletismo – salto em altura e revezamento 4 x 100.
Mas para Jefferson, a quantidade de medalhas conquistadas em sua carreira não importa tanto quanto a paixão pelo esporte. “Vou falar pra você que eu não conto medalhas. Se você conta, vem um atraso para sua vida, parece que você não pega o que você quer”, explica. Para ele, o que importa é seguir em frente, sempre treinando e competindo com determinação e inspiração.
E as conquistas mais recentes, revela Jefferson, foram para o colega de APAE e ídolo no esporte Muller Aparecido Cintra, que faleceu em 2020, aos 35 anos, vítima de um infarto após contrair covid-19. Jefferson se emociona ao lembrar do amigo e colega de equipe, que o inspira a continuar competindo. “E o moleque que faleceu e vai deixar muita esperança, que é o Muller. Esse moleque era bruto, comia a bola”.
De fã, Jefferson virou ídolo. “O que ele tem de potencial, a gente usa em favor dos atletas que estão chegando. Nós estamos renovando a equipe, é ele agora que incentiva os amigos. Ele tem nossa confiança. Tanto que na parte de aquecimento, de treinamento, é ele que incentiva os amigos. Então, ele incentiva os mais novos para chegar ao mesmo processo que ele chegou. Toda a história que ele conta de vida, que está contando agora, ele conta pros meninos. Então, hoje ele serve de exemplo”, destaca o professor Alexandre de Oliveira Matos, técnico da equipe da APAE Franca.
Neste momento da entrevista, Jefferson se emociona com as palavras do professor e chora. “Sem palavras. O que eles fazem por mim, não é qualquer um que faz. Eu faço para merecer, para poder acolher o outro, para poderem fazer igual ao que eu estou fazendo. É isso, sem palavras.”
A história de Jefferson, assim como a de Muller, Serginho e tantos outros alunos-atletas da APAE Franca, só existe por conta do comprometimento e apoio da diretoria da instituição com o projeto, revelam os professores.
“O fator mais importante é a credibilidade da diretoria, que acredita no que a gente propõe. Essa proposta não é do Adauto, não é do Alexandre, essa proposta é do esporte da APAE de Franca. Nós somos vistos por muitas outras entidades como referência no esporte, porque acreditamos nos meninos e passamos para eles que eles devem acreditar no esporte como um meio de conquistar coisas que talvez eles jamais conquistariam fora do esporte”, diz Adauto.
E a APAE Franca proporciona a atendidos como Jefferson, através do esporte, a possibilidade de conquistas dentro e fora das quadras. “O Jefferson disse que chegou a jogar na várzea, mas ele percebeu que o mundo oferece muito lá fora, ou seja, oferece coisas boas e coisas ruins. E a luta dele é sempre pelo esporte, é ser exemplo. E ele falou assim: ‘Professor, o esporte salvou minha vida’”, relembra o coordenador.
A história de Jefferson mostra que, com apoio e oportunidades as pessoas com deficiência podem superar desafios e alcançar seus sonhos. A APAE de Franca, que atende cerca de 1.200 pessoas, é uma instituição que oferece programas nas áreas de Educação, Saúde e Assistência Social, incluindo Esporte e Artes, contribuindo para sua inclusão social e para o desenvolvimento de suas habilidades e potencialidades.