Pela primeira vez, a Associação Francana de Voleibol vai a um campeonato sem ter Paulo Silveira como técnico. O treinador se aposentou das quadras nesta semana e, para ocupar o posto deixado por ele, a FEAC e a Associação confiaram à Jéssica, mais conhecida como Loira, a missão de chefiar a equipe SUB19 do voleibol feminino. “A responsabilidade é muito grande, pois ele [Paulo Silveira] construiu um legado. Ele que deu início ao voleibol aqui na cidade de Franca e que hoje é conhecido mundialmente”, diz Jéssica sobre o peso de comandar o time do qual participou e foi aluna de Silveira.
O voleibol francano está na ativa há 40 anos e Paulo Silveira conta como tudo começou: “O início foi em 1983 a convite do Seu Pedro, o Pedroca, que me trouxe à Franca para montar uma equipe masculina de voleibol. A gente nem cogitava uma equipe feminina. Em 2 anos que eu estava como técnico do [vôlei] masculino, vimos que existia uma procura muito grande pelo vôlei feminino”.
Segundo Paulo, algumas meninas o procuraram dizendo que gostavam muito de voleibol e se existia a possibilidade de que ele também atuasse como treinador do time feminino. “Então conversei com o Seu Pedro e ele disse: ‘vamos aumentar seu horário e você treina os dois [times]’, e teve uma aceitação muito grande da equipe feminina e uma desaceleração do masculino, porque eu não conseguia ter a mesma disposição de fazer um trabalho de base com crianças, que estávamos iniciando, no masculino. Normalmente, o masculino vinha com idade entre 17, 18 anos, porque a grande maioria tentava o basquete e não dando certo, vinham para o vôlei, e aí fica difícil você fazer um trabalho fora da idade em termos de formação”. O ex-treinador comenta ainda que tudo deu certo pela visão de Pedroca: “Eu disse para o Seu Pedro: ‘vamos focar no feminino porque a cidade tem potencial’. Ele era um cara fora de época, tudo que acontece com o basquete hoje é graças ao seu Pedro. Ele veio de São Paulo e teve uma visão futurística para o Basquete. Ele pensava grande e queria ser campeão mundial, e foi. Ele foi muito importante pra mim. Me deu um empurrão e esse empurrão acabou ano passado”.
A Associação Francana de Voleibol foi fundada por Paulo Silveira em 1990, junto de alguns amigos. Paulo conta sobre o reconhecimento que Franca obteve no cenário a partir de então. “O trabalho que nós fazemos aqui em Franca é histórico. É reconhecido dentro do Estado de São Paulo e no Brasil, pois é um trabalho de formação e que leva muito tempo. Existem dois tipos de times: aquele que você monta, que tem um resultado mais rápido e aquele que você forma – que é pegar o pessoal da cidade, da região e ir construindo, se aprimorando, até que chegue a um alto rendimento. Isso leva muito tempo, mas o crescimento estruturado não acaba”.
Comentando sobre seus sonhos e carreira, o ex-técnico fez ponderadas críticas sobre os investimentos necessários para alcançar altos objetivos através do vôlei de Franca. “Eu tinha um sonho que era jogar uma Superliga. O resto, eu joguei em todos [os campeonatos], graças a Deus! Tive muitas felicidades nessa minha carreira, mas a gente depende muito, né? Para jogar numa Superliga você não pode ficar numa dependência de estrutura pública, política, pois você não consegue fazer nada. Precisaria ter a iniciativa privada ajudando, incentivando e patrocinando, que é o caso hoje do basquete”. Ele ainda complementa: “Tive alguns colaboradores, mas o foco deles era mais na parte de formação, ninguém pensou em alto rendimento, nenhum investimento era compatível. Como revelamos muitas jogadoras para as categorias menores da Seleção Brasileira e Seleção Paulista, ficamos conhecidos no Brasil e, infelizmente, não somos tão conhecidos em Franca, até pela própria imprensa, que não foi tão eficiente na minha maneira de ver, pois a imprensa também é profissional.
Dever cumprido
“Sinto que a missão foi cumprida. Tudo que pude fazer, fiz. Dediquei uma vida inteira aqui [ao vôlei]”, afirma Paulo. O ex-treinador ainda disse que recusou convites para treinar equipes de fora da cidade, pois é uma aventura muito perigosa em um país como o nosso: “Tive grandes oportunidades para sair, mas, no Brasil, infelizmente, você se aventurar como técnico, como treinador, é perigoso, pois não temos cultura de esportes aqui. Não temos política de esportes. A política que nós temos é esta política partidária que é perversa, só ajuda quem está do lado da política atual. Se você não está do lado ou se é neutro, não acontece nada e acaba atrapalhando esta sequência de trabalho”.
Jéssica no comando
Paulo Silveira aproveitou a entrevista para desejar boa sorte à Loira como técnica e lembrou os desafios que ela deve encarar: “A Jéssica é uma ex-atleta minha. Foi qualificada. Já teve algum tipo de trabalho na região. A Associação está apostando nela, que vai ter que trabalhar muito para buscar [a posição] que a gente estava. Tivemos que voltar muito para trás. Ela está formando uma nova equipe e deverá ter muita paciência, pois se leva tempo para se tornar competitiva, mas nós achamos que ela e a Fabyana Oliveira.
No dia 14 de abril acontece a Primeira Etapa para Classificação dos Jogos da Juventude e será o primeiro jogo onde Jéssica assumirá o comando da equipe. Já no dia 21 de abril, o SUB19 estreia contra o São Paulo no Campeonato Paulista de Voleibol Feminino. “A expectativa é bem grande, mas sempre com o pé no chão, pois é um campeonato forte e vai ser o primeiro Campeonato Paulista das meninas, já que desde que Franca estava disputando a Superliga B, a base não participava desse campeonato. Então, estamos sempre buscando evoluir e dar o nosso melhor”, afirma Jéssica.
Legado
Loira destaca ainda o legado que Paulo Silveira deixa ao clube após 40 anos de dedicação ao esporte: “Acho que [deixa] o legado de persistência e insistência, pois não é nada fácil começar algo do zero e transformar no que ele transformou”.
“Buscar apoiadores e patrocínio não é fácil, tem que estar disposto sempre a escutar um não. Hoje a nossa parceria é de 100% com a Prefeitura/FEAC (Fundação Esporte, Arte e Cultura de Franca) e está há muitos anos com a AFV (Associação Francana de Voleibol). Estamos no caminho que escolhemos juntamente com a FEAC para trabalhar a base e alavancar o voleibol em Franca que, devido à pandemia, ficou uma defasagem desta idade. Atendemos hoje com a prática do vôlei cerca de 250 crianças em dois projetos desta parceria, que são na Escola Lizete Paulino, bairro Santa Terezinha e na Escola Sudário Ferreira, bairro Leporace. Elas nos abriram as portas para que as crianças sejam infiltradas no esporte”, afirma Jéssica.
Acreditar no esporte
Paulo Silveira fala sobre acreditar no esporte e lembra que algumas coisas melhoraram, mas que está muito longe do que ainda realmente necessita. “É uma ferramenta muito importante para nossa juventude como meio de educação. Ela é milagrosa, transforma as pessoas, faz as pessoas pensarem diferente. Mas, só quem trabalha vê como a falta de investimento neste setor é gritante. Houve melhoras, o surgimento da FEAC foi uma coisa importante, o bolsa-atleta também é muito importante hoje. Franca é uma cidade operária e não de pessoas ricas. Se você tem uma filha que vai para o Centro de Treinamento para que suas capacidades sejam aprimoradas, ela não tem os recursos que precisa. Ela tem que treinar todos os dias, precisa de um equipamento esportivo de acordo, tem que ter uma boa alimentação, apoio psicológico e, isso, nós estamos muito longe”.
Novos sonhos
Jéssica falou ainda sobre os sonhos que têm para sua carreira: “Como técnica, desejo manter a mesma metodologia que foram todos estes anos, formar e revelar atletas, mas acima de tudo, pessoas de bem. Apesar de termos a parceira com a FEAC, estamos em busca de contrapartida para ajudar o projeto engrandecer. Patrocinadores e pessoas físicas que queiram contribuir, estamos de portas abertas para recebê-los”.
Paulo, agora aposentado, deseja aproveitar o tempo com a família: “Agora vou dar um tempo, devo viajar, ver minha filha e meu neto que moram no Canadá”.