Dramaturgias de Eugênio Lima, Claudia Schapira, Aldri Anunciação e Dione Carlos ocupam o último final de semana de janeiro no teatro do Sesc Franca e reúnem experiências de mulheres e homens negros e indígenas contra a dominação colonial. Um dos espetáculos tem participação de Antônio Pitanga. (©Cristina Maranhão)
Nos dias 31 de janeiro e 01 de fevereiro, sexta e sábado, com sessões às 19h30, o Coletivo Legítima Defesa apresenta, no teatro do Sesc Franca, os espetáculos Améfrica: em Três Atos e Exílio: Notas de um Mal-Estar que Não Passa.
O primeiro, que teve duas indicações ao Prêmio Shell – a mais tradicional premiação da cena teatral brasileira – tem dramaturgia de Claudia Schapira, Aldri Anunciação e Dione Carlos e participação de Antonio Pitanga. A obra trata das trajetórias negras e indígenas a partir de seus próprios legados, trazendo à tona narrativas soterradas pela herança colonial, elaborando, de forma poética e política, as confluências negras e ameríndias e seus desdobramentos sociais e históricos no Brasil.
Améfrica: em Três Atos fundamenta-se em uma narrativa épica/fantástica criada a partir de histórias diversas sobre personagens presentes nos levantes históricos, nas cosmovisões e nas narrativas negras e indígenas, incluindo as diferentes práticas rituais e literaturas orais existentes no país. A partir da noção de Amefricanidade, cunhada por Lélia Gonzalez, do Conceito-ação de Retomada, dos Tupinambá da Serra do Padeiro, e do conceito de Confluência, elaborado por Antônio “Nego Bispo”, serão feitos contrapontos aos personagens da história oficial colonial no continente americano. As artes de Abdias Nascimento disparam a iconografia desse espetáculo do coletivo paulistano.
Exílio: Notas de um Mal-Estar que Não Passa, com dramaturgia de Eugênio Lima e Claudia Schapira, é definido pelo grupo como uma “transcriação da poética” do período de exílio vivido por Abdias Nascimento e a sua relação com o diretor de teatro e dramaturgo brasileiro Augusto Boal. Eugênio Lima, diretor do espetáculo, descreve: “Nosso espetáculo constitui-se como um sample de textos em que tudo é documento”. E complementa: “A peça é fundamentada na ideia de que existe uma relação entre o Abdias Nascimento e o Augusto Boal que não foi contada. Nosso principal argumento é que o início do Teatro Experimental do Negro se funde com o começo da carreira dramatúrgica do Boal, já que o primeiro texto que ele escreveu foi para o TEN”. Para Abdias, todo negro fora da África vive um autoexílio. Esse conceito permeia o espetáculo, que usa metalinguagem com a equipe técnica em cena e Eugênio dirigindo, como em um ensaio.
O cenário de Exílio: Notas de um Mal-Estar que Não Passa inclui projeções de documentos históricos do Ipeafro – Instituto de Pesquisas e Estudos Afro-Brasileiros, fundado por Abdias na década de 1980, e do Instituto Augusto Boal, com videografia de Bianca Turner e luz de Matheus Brant. No som, o espetáculo traz depoimentos de Léa Garcia, Ruth de Souza e Abdias Nascimento, além de obras de Frantz Fanon. A trilha, ponto alto do espetáculo, explora ritmos variados, com Hip Hop dos anos 1980 e 1990, Philip Glass, Racionais MC’s, tambores de candomblé, Billie Holiday e Marvin Gaye, sob direção musical de Eugênio Lima.
O Coletivo Legítima Defesa, formado em 2015, é composto por artistas, atores e atrizes, djs e músicos de ação poética, portanto política, que tem como foco a reflexão e a representação da negritude, seus desdobramentos sociais históricos e seus reflexos na construção da persona negra no âmbito das linguagens artísticas. Constituindo desta forma um diálogo com outras vozes poéticas que tenham a negritude como tema e pesquisa. É um ato de guerrilha estética que surge da impossibilidade, da restrição, da necessidade de defender a existência, a vida e a poética.