Pesquisa publicada na revista Scientific Reports mostrou a eficiência de vídeos instrutivos como ferramenta de treinamento para goleiros. O grupo que assistiu ao material audiovisual apresentou mudanças positivas no ângulo de flexão e extensão do joelho e do passo frontal, além de menor tempo para atingir a velocidade máxima. Assim, eles tiveram mais aceleração durante a fase de salto.
“O pênalti no futebol é um duelo entre o cobrador e o goleiro. Muitas pessoas pensam que é uma loteria, mas a ciência já provou que não é. Existem muitos fatores que influenciam o desempenho e um deles é a velocidade do salto. Quanto mais rápido, maior a chance de realizar a defesa”, explica Paulo Roberto Pereira Santiago, professor da Escola de Educação Física e Esporte de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (EEFERP-USP), onde atua no Laboratório de Biomecânica e Controle Motor.
A maior aceleração pode dar aos goleiros mais tempo para decidir o lado do salto, permitindo que coletem mais informações sobre a técnica de movimento de chute do cobrador do pênalti, apontam os autores. Assim, usar a ciência para melhorar a eficácia do treinamento é uma das metas dos estudos conduzidos por Santiago, com apoio da FAPESP. Ele é orientador de Rafael Monteiro, primeiro autor do artigo e bolsista da Fundação. Outros cientistas da USP de Ribeirão Preto e da Technical University of Munich, Alemanha, testaram a hipótese sobre o uso de recursos audiovisuais.
Na pesquisa, oito goleiros de categorias de base (sub-15, sub-17 e sub-20) foram divididos em dois grupos. Todos realizaram 20 saltos para defesa de pênalti com bolas lançadas mecanicamente. Um dos grupos, porém, assistiu ao vídeo com dicas e instruções após os dez primeiros saltos, enquanto o outro grupo apenas descansou nesse intervalo.
O vídeo trazia dicas para uso da força elástica na impulsão, uso de passo frontal e sugestão de adotar um ângulo de saída mais próximo de 18°. As instruções foram criadas com base na literatura científica, além de consulta a especialistas em biomecânica e preparadores de goleiros profissionais.
A avaliação foi feita em campo. “Utilizamos técnicas computacionais inovadoras que possibilitam analisar a velocidade e o padrão de movimento. Também optamos por uma máquina de lançar bolas para simular as cobranças de pênalti. O resultado foi que houve diferenças no padrão de movimento e na aceleração do salto dos goleiros entre o grupo que assistiu ao vídeo instrucional e o grupo que não assistiu”, diz Santiago. Ao todo, foram 154 defesas, sendo 30 descartadas e 124 validadas.
A análise de dados mostrou que o uso do vídeo melhorou o desempenho. “Foram notadas diferenças em relação ao padrão de movimento, como o quão rápido eles dobraram e esticaram a perna, a direção de salto e a distância do passo para pegar impulso”, diz o pesquisador.
Outro achado importante foi em relação ao desempenho entre os diferentes lados. “Vimos que os goleiros saltaram com mais velocidade para o lado da perna não preferida, além de apresentarem um padrão de movimento diferente.” O artigo aponta que esse resultado é devido ao melhor aproveitamento da energia elástica, gerada pelo ciclo rápido de alongamento-encurtamento muscular, que é um fator crucial para o desenvolvimento da força e a eficiência dos movimentos esportivos.
Da mesma forma, o grupo que não assistiu ao vídeo permaneceu com o joelho flexionado por mais tempo, demorando mais para realizar a extensão e perdendo parte da energia elástica obtida pelo movimento rápido para baixo (flexão) e para cima (extensão). Isso sugere que a falta de treinamento específico para otimizar o ciclo rápido de alongamento-encurtamento muscular comprometeu a eficiência neuromuscular e a capacidade de armazenar e liberar energia elástica, resultando em menor desempenho e maior tempo de execução dos movimentos.
Análise de dados
O grupo relata que na literatura científica não há tantos estudos que proponham e avaliem métodos para melhorar a cinemática do salto dos goleiros e foi então preciso elaborar a melhor estratégia. Para fazer as coletas de dados foram utilizadas três câmeras para registro das ações – e sem a utilização de marcadores, que são aqueles objetos colados em pontos específicos do corpo para rastrear o movimento.
Essa técnica de captura da ação sem marcadores (OpenPose, desenvolvida pela Carnegie Mellon University) permite que os movimentos sejam executados de forma mais natural, dando maior validade ao experimento, já que pode ser feito em campo e não em laboratório. Ela utiliza uma biblioteca de referências de poses humanas, com identificação de articulações e pontos anatômicos por meio de algoritmos, oferecendo dados úteis para análises cinemáticas. Os dados foram usados posteriormente para reconstrução 3D e permitiram observar melhor a mudança no padrão de movimento após o vídeo.
Foram escolhidos como parâmetros a velocidade do centro de massa e o tempo para atingir o pico de velocidade. Outras variáveis foram necessárias e cada uma correspondia a uma dica contida no vídeo, de forma a mensurar o impacto de cada instrução. Foram elas: velocidade, ângulo de flexão/extensão do joelho, tempo para atingir o pico de velocidade, distância do passo frontal, distância entre as pernas na postura preparatória e ângulo de saída frontal.
“Acreditamos que os maiores avanços trazidos pelo estudo foram as técnicas utilizadas para a análise do salto de goleiro dentro de campo, além da efetividade de um vídeo instrucional para melhorar o salto. Destaco também a diferença entre o salto para o lado da perna preferida e não preferida. Acreditamos que análises possam ajudar a identificar pontos fortes e fracos dos atletas, assim como melhorar a técnica de salto, ajudando a ter uma maior chance de defender pênaltis”, conclui Santiago. (Fapesp)