Os produtores orgânicos e agroecológicos, ambientalistas, consumidores conscientes, organizados através da Cooperativa das Agricultoras e Agricultores
Orgânicos de Claraval e Região – COORGANICA, a Rede de Agroecologia da Alta Mogiana – RAAM e a Fazenda Santa Cecília, escreveram uma carta aberta à sociedade brasileira, aos produtores agrícolas e às autoridades governamentais expressando suas profundas preocupações e indignações no que tange “à grave crise ambiental que afeta o Estado de São Paulo”.
De acordo com a nota, “as constantes queimadas não apenas ameaçam a biodiversidade local, mas também colocam em risco a vida e o sustento das
comunidades rurais, além de impactarem a saúde pública nas áreas urbanas devido à poluição atmosférica e à escassez de água, interrupção do tráfego por falta de visibilidade, suspensão de aulas, e em outros municípios evacuação de famílias de suas casas e, tragicamente, morte de pessoas”.
As organizações não negam que fatores climáticos, como ventos fortes, baixa umidade relativa do ar e a estiagem prolongada contribuam para o início dos incêndios, é também imperativo que aqueles que ateiam fogo de forma intencional sejam responsabilizados. Entretanto, consideram que atribuir toda a culpa exclusivamente a esses fatores é uma tentativa de confundir a opinião pública, pois entendem que o monocultivo da cana-de-açúcar é um elemento essencial na propagação do fogo.
“O Estado de São Paulo é responsável por mais de 50% da área plantada de cana-de-açúcar no país. Em sistemas produtivos biodiversos, os incêndios tendem a se extinguir mais facilmente, pois a heterogeneidade do ambiente cria descontinuidades no combustível, interrompendo o avanço do fogo. Em monoculturas, esse fenômeno não ocorre. A paisagem homogênea se torna um terreno fértil para a propagação de incêndios, permitindo que eles se alimentem e se expandam livremente. Além disso, o cultivo intensivo e contínuo da cana-de-açúcar degrada o solo, reduzindo sua capacidade de reter água e promovendo um
ambiente seco e inflamável. O monocultivo também esvazia as áreas rurais de suas comunidades, que são as primeiras a combater os incêndios e a limitar a
propagação do fogo”, declaram em nota.
A COORGANICA, a RAAM e a Fazenda Santa Cecília solicita ao governo coerência em suas políticas, reconhecendo o trabalho heroico dos produtores, bombeiros, brigadistas e de todos os aliados da sociedade civil que, incansavelmente, enfrentam os incêndios e fazem tudo o que está ao seu alcance para contê-los, mas que questiona que uma análise superficial pode levar à falsa impressão de que políticas focadas apenas em respostas emergenciais seriam suficientes: “a verdade é que um aumento nos investimentos em atividades de emergência não resolverá a raiz do problema. A monocultura da cana-de-açúcar é o verdadeiro combustível que alimenta esses incêndios”.
Segundo os signatários da carta, “a solução para a crise ambiental reside no enfrentamento deste modelo produtivo depredatório que ameaça a vida em todas as suas formas”. Ainda, apelam para que os produtores rurais adotem práticas mais sustentáveis e menos prejudiciais ao meio ambiente: “não questionamos a decisão dos produtores de cana-de-açúcar, mas sim o modelo de agronegócio que impõe o monocultivo como a única opção de renda. É urgente valorizar a biodiversidade, o trabalho da agricultura familiar e a cooperação agrícola, promovendo o aumento da produtividade com o uso de insumos biológicos. É nosso dever agir para garantir que nossas terras permaneçam férteis, saudáveis e, acima de tudo, habitáveis”.
As entidades chamam atenção à sociedade como um todo para reconhecer a gravidade da situação, pois temem o retorno dessas queimadas no próximo ano, já que não se tratam de um evento isolado. Por fim, declaram que nenhuma justificativa será suficiente para sustentar um modelo de agronegócio baseado na monocultura.
“Não aceitaremos esse projeto produtivo de morte como única opção para o Estado de São Paulo. Nos últimos anos, nós, produtores orgânicos, agroecológicos, consumidores conscientes e ambientalistas, não medimos esforços para construir um outro modelo de vida e convidamos a todos a conhecer nosso trabalho e somar-se a esse movimento”.