Artigo de autoria dos mestres drs. José E.Vanzo e Pedro Tosi
O monopólio natural é definido em Economia e em Direito como sendo aquele no qual todas as transações são realizadas por uma única empresa, onde a eficiência só aparece quando ganha escala. Neste mercado, a eficiência só é alcançada quando a produção se concentra em um único produtor.
Outro conceito que se une ao da empresa única é o de que a infraestrutura essencial ao fornecimento desse bem (essential facilities) possui custo fixo inicial marcado por investimentos vultosos com retorno do investimento em longo prazo.
Outra característica marcante do monopólio natural é que ele cuida dos bens públicos, que servem a todos, mas que para se acontecer precisa da figura do Estado. Um bem público não aceita rivalidade entre consumidores e nem sua exclusão, contrariamente ao que caracteriza um bem privado, que estabelece concorrência entre consumidores e exclusão do consumidor quando for de interesse do produtor.
Tais fatores constituem uma verdadeira barreira à entrada de eventuais competidores quando governos irresponsáveis desqualificam esforços feitos pelo Estado e pela Sociedade em gerações passadas, alegando de modo infundado que o Estado distorce a competição e impede a universalização dos serviços.
A verdade é bem outra. Só o Estado pode fazer tais investimentos de grande monta que é empreendido em nome do bem estar coletivo expresso em aumento da longevidade e rios despoluídos coadjuvados pela obrigação de regular preços garantindo o acesso das camadas de baixa renda aos serviços essenciais à vida humana e ao ambiente.
Ainda mais quando os serviços dizem respeito à captação, adução, tratamento e distribuição de águas acopladas ao devido sistema de coleta e tratamento das águas servidas e dos efluentes decorrentes do uso consuntivo desse bem, e sua reciclagem e reuso quando for o caso.
Serviços fundados nos bens públicos, de todos e para todos, e para o qual existe um arranjo regulamentar que demanda transparência e necessita auditoria de verificação operacional, metas acordadas emanadas de política pública e padrões de qualidade dos produtos e serviços prestados à população.
PRIVATIZA
A privatização que tornará a Sabesp mera subsidiária de um grupo financeiro detentor de outras, ensejará a possibilidade de impor à Sabesp privada contratação de dívidas reais ou fictícias, com as demais subsidiárias do grupo controlador, sem licitação e ao simples comando do CEO.
Esta imposição enuncia questões importantes, especialmente em relação à regulação, fiscalização, transparência e um ambiente ausente de concorrência. Portanto, especial atenção deve ser dada à Regulação e às Formas de Controle Social da Atividade.
Em muitos países, os setores com características de monopólio natural são regulados para proteger os consumidores contra abusos do controlador dono do monopólio e com poderes quase absoluto sobre o mercado de saneamento – notadamente quando o assunto é majoração de tarifas e justeza dos procedimentos operacionais e não operacionais.
A prestação de serviços em um monopólio natural e a consequente estratégia de criação de dívidas com subsidiárias ou empresas associadas do mesmo grupo levantam preocupações regulatórias sobre conflitos de interesse, fixação de preços, qualidade do serviço e acesso justo ao mercado.
Então, torna-se crucial que qualquer transação financeira entre o controlador privado e a Sabesp Privada, prestadora dos serviços, tenha a máxima transparência e relação justa. Se o controlador privado estiver fornecendo serviços ou emprestando dinheiro para a Sabesp Privada a taxas não competitivas ou sob condições desfavoráveis, isso certamente prejudicará as condições de concorrência no mercado e afetará negativamente os consumidores e a qualidade dos serviços prestados.
Quando o controlador privado presta serviços em um monopólio natural e cria dívidas para a sua subsidiária prestadora dos serviços de saneamento, com outras empresas do mesmo grupo, surgem preocupações com possíveis conflitos de interesse e essa condição merece regulação própria. O controlador privado pode ter incentivos para favorecer suas outras subsidiárias à custa da sua empresa de saneamento e dos seus usuários. Isso resultará em alocações ineficientes de recursos, precarização do trabalho, obsolescência física e funcional acelerada das instalações por falta de investimento e tarifas abusivas para garantir atrativos dividendos do capital privado aplicado.
Para mitigar preocupações com conflitos de interesse e garantir que as transações sejam justas e transparentes, é importante que quaisquer serviços prestados pelas subsidiárias do controlador privado à empresa prestadora dos serviços de saneamento, ou até mesmo quando ocorrerem empréstimos entre empresas do mesmo grupo, que eles sejam realizados a preços de mercado. Isso significa que as taxas cobradas, ou os termos dos empréstimos devem ser comparáveis ao que seria cobrado ou oferecido por empresas independentes em condições de mercado similares.
A entidade regulatória responsável formal pela supervisão do monopólio natural deve estar atenta e preparada para qualquer ação do controlador privado que possa comprometer a concorrência ou lesar os consumidores. Isso pode incluir revisão e aprovação prévia de transações entre as empresas subsidiárias do controlador privado e a sua subsidiária prestadora de serviços de saneamento, bem como monitoramento contínuo para garantir conformidade com as leis e regulamentos aplicáveis, principalmente quanto à qualidade quantidade da água potável fornecida pela rede pública, que antes de tudo é um alimento essencial à saúde de quem o consome.
Resumindo, quando um controlador privado, com suas várias subsidiárias ou empresas associadas presta serviços em um monopólio natural e cria dívidas para a empresa prestadora dos serviços, com outras subsidiárias do mesmo grupo ou com empresas associadas, é essencial garantir que todas as transações sejam transparentes, justas e realizadas a preços de mercado. É necessário evitar que esta situação de compadrio comprometa as tarifas, a qualidade dos serviços prestados e a captura da entidade de regulação.
A manipulação da dívida torna impossível a reversão e ou rescisão do contrato porquanto pode atingir valores bilionários que emparedam o poder concedente.
Atualmente estes preços são garantidos pela concorrência, exigência legal que enlaça o fornecedor e a empresa pública, que deixará de existir com a privatização juntamente com a auditoria do Tribunal de Contas do Estado.
A regulação eficaz, eficiente e supervisão adequada são fundamentais para proteger os interesses dos consumidores e do poder concedente, ou o que dele restou depois da adesão à URAE, e promover a livre concorrência no mercado no âmbito do monopólio natural.
Considerando, sobretudo, que são dadas como indiscutíveis duas consequências imediatas no âmbito setorial: 1 – que as entidades de regulação foram capturadas pelas concessionárias e 2 – que mesmo as privatizações internacionais falharam, como é o clássico caso da Inglaterra.
Para agravar as condições de regulação, a ARSESP que lutava para se firmar como protagonista na mediação imparcial entre as partes, viu-se significativamente enfraquecida. Uma vez que o governo estadual, em medida controversa, relegou à entidade um papel meramente simbólico, ao terceirizar o controle e a fiscalização para entidades privadas de verificação e de avaliação, no exato passo em que serão selecionadas pelo próprio grupo privado encarregado da prestação dos serviços. Tal ação levanta sérias questões de conflito de interesse, exacerbadas pela decisão imperial e tendenciosa do governador.
Essa mudança não apenas despoja a ARSESP de sua capacidade de regular o monopólio natural, mas também retira, na prática, seu poder soberano de fiscalização e regulamentação em nome do Estado. O desenho proposto pelo governo beneficia exclusivamente os concessionários, em detrimento irreparável das concedentes e, principalmente, dos usuários.
Diante do cenário de terra arrasada surge a pergunta: “O que fazer para impedir ou minimamente dificultar que as agências de regulação sejam capturadas?” Até que uma resposta imparcial e eficaz seja encontrada, podemos esperar mais lama e menos transparência na gestão dos serviços públicos de saneamento depois de privatizados.
José Everaldo Vanzo- Engenheiro Civil e Sanitarista (USP)- trabalha no setor desde 1977.
Pedro Geraldo Saadi Tosi- Gestor Público (FGV) desde 1980 e Professor Doutor da UNESP-Franca desde 1986.- Especial para o Jornal VERDADE®2024