Na última sexta-feira, 26 de janeiro, uma ocorrência policial foi encaminhada após um vizinho denunciar que, o terreiro de Candomblé, liderado pelo Pai Emerson Antônio de Carvalho, celebrava os ritos do culto (com canções e tambores) com barulho muito alto, perturbando portanto seu descanso.
Segundo o Termo de Depoimento, registrado na sede do Plantão Policial da Delegacia Seccional de Franca, os policiais militares bateram à porta do imóvel, porém, não conseguiram ser escutados. Com isso, os agentes iluminaram o interior da residência com o uso de lanternas, sendo então atendidos. Ainda de acordo com o documento, os religiosos ali presentes não questionaram o motivo da chegada dos militares e disseram de imediato: “vocês não podem entrar aqui”.
O Termo destaca que ao ser convidado para acompanhar a Polícia na viatura, Emerson disse que iria em sua Mercedes e perguntou se algum dos policiais tinham um carro dessa marca. Os policiais repetiram o pedido para que ele entrasse, sendo negado mais uma vez. Por último, Emerson concordou em acompanhar os militares, sendo levado no “chiqueirinho”, sem o uso de algemas.
Ponto discutido pelos fiéis foi o fato de os profissionais terem solicitado a retirada do chapéu do babalorixá, que faz parte de sua indumentária. Após explicar aos policiais que o acessório fazia parte de suas vestimentas religiosas e não ter havido um acordo, Emerson assentiu e partiram então para a CPJ (Central de Polícia Judiciária).
Religiosos contestam
O Pai Luciano de Oxalá, do terreiro “Yle Alaketu Ase Ogiyan Ofururu”, presente na celebração do culto e que acompanhou a abordagem, classifica como “truculenta” a ação dos agentes. Além de médico veterinário, é doutor honoris causa em Direitos Humanos por uma universidade do Rio de Janeiro. “[Emerson foi] denunciado pelo vizinho, um só, tá, por motivos de som alto. Realmente, a história começa por um vizinho, porque pra começar, não é um crime, é uma contravenção, e só é contravenção quando duas ou mais pessoas se sentem ofendidas, não uma. É bem claro isso na lei! E o que aconteceu foi a forma que a polícia adentrou o terreiro, o jeito que ele adentrou, a truculência que foi utilizada. Eu faço uma pergunta pra você, você já viu algum padre ser retirado da missa, no meio dela?”, questiona. “Você já viu um pastor ser retirado do seu culto na hora que ele está em cima do púlpito, no meio do culto? Não. Isso acontece porque a religião [é] de matriz africana. De preto”, conclui.
De acordo com Luciano Raminelli, a polícia foi totalmente despreparada. “Totalmente despreparada. Não teve um pingo de educação. Foram truculentos. Agiram de uma forma abusiva com as pessoas de dentro do terreiro, porque tinha crianças, tinha senhoras, tinha família lá dentro. Não eram bandidos”, afirma.
Na delegacia, segundo Luciano, estavam alguns líderes religiosos da cidade e três advogados, e não havia necessidade de nada do que aconteceu. “Se o policial chegasse de uma forma educada, nós tínhamos colocado o pai Emerson no carro, levado à delegacia, ele tinha prestado o depoimento e voltado pra casa. Isso por causa de um barulho? E mesmo se fosse barulho, ele ia responder sob os rigores da lei. Não tinha necessidade do excesso da polícia e nem a polícia humilhar um líder religioso por barulho. Não foi pedofilia, não foi crime, não foi roubo…”, descreve sobre o ocorrido.
Indagações
“A PM simplesmente o levou dentro do chiqueirinho lá, como se fosse um marginal. Levou pra Polícia Civil, no centro da delegacia, colocou no local reservado, não deixou nem um advogado que estava lá, porque por falta de um foram três advogados que chegaram até lá, mas não podiam ter muito contato com ele, porque os militares não deixaram. Agora eu pergunto, isso tá correto?”, indaga o veterinário.
Minelli ainda afirma que a imprensa errou ao noticiar um possível desacato por parte de Pai Emerson, o líder religioso daquele terreiro. “Não houve desacato. Essa história que vocês [imprensa] colocaram que houve um desacato está totalmente errada e fora dos casos, fora do acontecido, fora do que ocorreu. Porque simplesmente ele se posicionou como um líder religioso. Ele queria, o policial queria que tirasse as indumentárias religiosas. E ele falou que não. Por quê? Retira a batina de um padre? Retira o hábito de um franciscano?”, pergunta. “A não ser que seja de forma truculenta. Mas não é o que o nosso país laico orienta a fazer. A carta magna foi desrespeitada nesse momento”.
“Despreparo”
Pai Luciano declara ainda que a cidade de Franca não mostra preparação para atender a uma ocorrência policial, devido a forma com que esta foi feita e pede retratação da PM. “O que eu queria falar é que a polícia militar tinha que se retratar quanto ao pai Emerson, porque não é assim que se trata um cidadão de bem, um homem que paga as suas contas, que paga a sua água, a sua luz, seu IPTU, não deve nada à polícia, não deve nada a ninguém para ser tratado da forma que foi, principalmente perante a sua comunidade. Foi vergonhoso isso pra essa cidade de Franca. Vergonhoso! É uma vergonha a cidade de Franca não estar preparada pra atender um cidadão de bem. Porque se eles vieram porque o vizinho, um só vizinho, chamou por barulho, eles deveriam ter tratado da mesma forma que tratou o vizinho o pai Emerson”, disse ele ainda indignado com o ocorrido.
“Até que se prove o contrário, ninguém é réu, ninguém é nada. Isso é assunto pra justiça. Deveria ter ido lá, prestado o seu depoimento, e sem esses excessos que houve. E desacato? Não houve desacato. Falar firmemente perante qualquer pessoa da lei aquilo que acha que é correto, não é desacato. Eu gostaria que tivesse até errado, porque [um órgão da imprensa francana] colocou de uma forma que o candomblé fosse o culpado. E não, não é. O candomblé não é culpado de nada. Nós tocamos nossos tambores, sempre vamos tocar, porque o país é laico”.
Segundo o médico, a Ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco entrou em contato com os envolvidos e disse que tomará providências. O Deputado Estadual Guilherme Cortez (PSOL) também demonstrou apoio à comunidade. “Nós estamos tomando providências junto à Corregedoria, à Secretaria de Segurança Pública, porque não é assim que se trata uma pessoa. Várias pessoas do Brasil inteiro se pronunciaram emitindo cartas de repúdio”.
Central de Polícia Judiciária
De acordo com a CPJ, não foi mencionado no boletim de ocorrência a possibilidade de que Pai Emerson possa ter sido humilhado pela Polícia Militar. “Não, isso aí não foi mencionado nada não. Tanto é que ele não quis nem dar os documentos, o problema do desacato à resistência foi essa. Polícia Militar foi na casa dele, ele se sentiu mal, chamou o advogado, tanto é que veio dois advogados aqui. Ele veio, não quis fornecer endereço, ele estava perturbando os vizinhos com os cultos dele”. E finaliza: “a polícia pegou, trouxe ele aqui. Resistiu à prisão, desobedeceu aos policiais”.
Ordem dos Advogados do Brasil
A OAB-Franca emitiu uma nota através de suas redes sociais manifestando “repúdio e indignação, em razão da violação de direitos humanos ocorrida a um Babalorixá durante uma cerimônia religiosa”. Em um outro parágrafo do documento, a OAB reitera que “as religiões de matriz africana trazem a história do povo negro e favorecerem a cultura da diversidade na cidade de Franca”. O órgão lembra que entrou em contato com a PM de Franca e obteve a informação que os fatos já estão sendo apurados na corporação.