O solo PAR TIDA será apresentado em Franca, no Teatro Judas Iscariotes, neste final de semana, no sábado (2) e domingo (3), em duas sessões, às 19h e 21h. O projeto é realizado com recursos financeiros do edital Bolsa Cultura, edição 2021, da Feac (Fundação Esporte, Arte e Cultura) e da Prefeitura de Franca. A entrada é um quilo de alimento, mas a doação é facultativa.
PAR TIDA é encenada por Eneida Nalini, com texto e direção de Mauro Júnior e direção musical de Ruy Cunha e aborda as perdas e necessidade de se reconstruir após a Covid-19.
A pandemia do coronavírus se alastrou vertiginosamente pelo mundo e muitas vidas foram perdidas. Eneida Nalini, atriz do espetáculo, perdeu para o vírus sua mãe, seu marido e sua sogra. Três mortes em uma semana. Três partidas repentinas do seu alicerce. Não é ficção, mas a crueza da vida real. Mas não são sobre números, mas sobre vidas perdidas.
Como transformar uma história real dessas em arte? É a necessidade de o sujeito narrar a si mesmo, conforme Foucault, a ficcionar sua biografia, que motiva este projeto. Usar a realidade, mesmo que crua, para ressignificá-la sobre o palco. Encontrar poesia no concreto da existência. É a potência dos temas memória e perda para ser narrado em primeira pessoa, afinal, nada mais ímpar do as lembranças, imagens, referências, vivências e esquecimentos que as pessoas carregam.
O que se pretende ao visitar arquivos íntimos é colher materiais dramatúrgicos autênticos. Além disso, o que interessa é a ideia de compartilhamento de subjetividades que as temáticas proporcionam. A possibilidade de atravessar a memória do outro e recriar novas experiências. Explorar o campo da memória herdada e assim formar novas memórias a partir dos relatos e vivências de outras pessoas.
Segundo o sociólogo Halbwachs, nenhuma memória pode ser compreendida fora da sociedade, por mais particular que seja nossa lembrança, somos compostos por um emaranhado de experiências. Somos um acúmulo das músicas que gostamos, de tudo que lemos, dos sabores que já provamos, dos conselhos que ignoramos, das conversas escutadas sem querer, das conversas de fim de tarde, de trocas infinitas.
O escritor francês Marcel Proust fala do efeito de rememoração, que busca restituir o que é abolido pelo tempo e pela distância. Para ele, o passado é requisito para constituição do presente, como algo que se pode possuir.
Para o autor do texto e diretor do espetáculo, Mauro Júnior, “este trabalho nos possibilita entrar em contato com uma variação de emoções e sentimentos. A história da personagem se entrelaça com a da atriz em cena. Da tragédia pessoal da Eneida, emerge um espetáculo de sensibilidade tamanha. Não há como sair ileso após assistir Eneida neste solo. O espetáculo é, em certa medida, uma homenagem a todos os que tiveram suas vidas ceifadas por essa terrível doença, aos seus familiares”.
A atriz Eneida Nalini ressalta que a arte sempre a impulsionou, a auxiliava na construção do seu eu e na busca do autoconhecimento, e a arte, agora, a impulsiona neste tempo difícil, tempo onde é preciso ser forte, não esmorecer, continuar lutando e cuidando da sua organização interna. “PAR TIDA tem a ver agora com a minha nova história. A invisibilidade do vírus, desses nano-seres em minha vida, me trouxe um buraco no lugar do peito, um rasgo na alma, uma ferida que custa a cicatrizar. A arte está sustentando essa dor e estamos mexendo nessa ferida para mostrar que é possível transformar tudo isso em um grande aprendizado de individualidade e força, de fé e calmaria, de entendimento e refazimento, para assim, com pretensões artísticas, fazer ecoar estes sentimentos e emoções no nosso público.”
PAR TIDA é um solo sobre a memória, o amor e perdas. Cacos de memórias que são colados e uma delicada história de afeto pela vida e pela família nos é desvendada. Como confiar na memória, seus ecos difusos? Quanto de inventividade há na memória? Como contar uma história recheada de falhas de memória? É a partir dessas reflexões que Renato, a personagem do solo, reverbera suas histórias, manipula suas peças, até formar um quebra-cabeça sobre a vida e a morte.
De Samuel Beckett vem a inspiração para essa figura alquebrada, memorialista, espectro que à la Krapp em “A Última Gravação”, grava, arquiva e ritualiza suas memórias em uma mídia, aqui, das imagens em movimento. Um texto autobiográfico e ao mesmo tempo ficcional, que se utiliza do procedimento da intertextualidade, em diálogo constante com a literatura em sua construção dramatúrgica, e que ainda abre espaço para que a atriz o preencha com suas memórias, num momento dedicado à quebra da quarta parede, ao seu momento rapsodo, nos narrando também sua história de amor, alegrias e perdas. Um espetáculo minimalista, centrado no trabalho da atuação, na força da palavra e imagens materializadas.
Serviço
Datas: 02/04 (sábado) e 03/04 (domingo)
Horários: Duas sessões, às 19h e 21h
Local: Teatro Judas Iscariotes (Rua José Marques Garcia, 395, Cidade Nova)
Convite: 1 kg de alimento não perecível. A doação é facultativa. É preciso chegar ao Teatro com 1 hora de antecedência para garantir o lugar
Classificação: Recomendável para maiores de 14 anos.