Lockdown Sartre é uma livre adaptação da peça “Entre Quatro Paredes”, de Jean-Paul Sartre, sob direção de Mauro Júnior e apresentação dos atores Roberto Sabino, Eneida Nalini e Edna Daniela de Paula. O projeto é realizado com recursos financeiros do Bolsa Cultura, edição 2021, programa da Prefeitura de Franca e da Feac (Fundação Esporte, Arte e Cultura).
O projeto foi pensado para oferecer ao público francano duas apresentações presenciais e quatro em formato audiovisual. Além de duas ações formativas a partir da experiência da montagem pelos atores e diretor. Todas as ações serão gratuitas. Para as duas apresentações presenciais, é sugerido ao público a doação de 1 kg de alimento não perecível, que será repassado ao Lar de Ofélia, de Franca.
Em 2020, a pandemia em escala global obrigou o isolamento social, neste ano, os reflexos do longo confinamento ainda reverbera na população, tem efeitos em suas vidas e nas relações. O que motiva a montagem da peça é a reflexão sobre o isolamento imposto pela pandemia da Covid-19.
Na peça de Sartre, três personagens são isolados numa sala sem janelas e a única porta está sempre trancada. Eles não têm contato algum com o exterior. Isso se transforma num inferno metafórico para os três. Esse foi o disparador para o mergulho na peça de Sartre, trazendo um paralelo sobre a convivência, muitas vezes forçada, que as pessoas vivenciaram durante o recente lockdown. Desse lockdown imposto pelo vírus, surgem conflitos de convivência. Um alto índice de divórcios foi registrado durante a pandemia.
Segundo Mauro Júnior, diretor do espetáculo, “a peça filosófica de Sartre nos parece muito adequada para ser montada neste momento, gerando reflexões pertinentes sobre convivência durante o confinamento que o vírus da Covid-19 nos impôs”.
A peça de Sartre remete o público de forma sutil para o universo existencialista pelo seu poder expressivo e metafórico. Na nova leitura, as três personagens principais – José Garcia, Inês e Estela – continuam focados na teia de relações obsessivas entre elas. A encenação busca potencializar o encarceramento das personagens num espaço-cenário onde não há janelas nem espelhos e a porta
está sempre trancada, impedindo o contato com o exterior.
Sem coxias ou rotundas, a escolha de desnudar a caixa preta possibilita pensar o uso da amplidão do palco, usando sua totalidade para jogar ali as três personagens, desfrutando de amplo espaço, mas ainda sim prisioneiras, sem saída.
A presença dos outros se torna dolorosa, não há como escapar. Apenas as suas sombras lhe fazem companhia. É o espaço-inferno sugerido na peça de Sartre, mas não o inferno cristão, mas um inferno estilizado, metafórico.
A intenção é que a atmosfera de clausura e calor insuportáveis, materializados pela encenação e pelos atores, aliada ao texto filosófico e existencial de Sartre, suscite reflexões no público sobre como estão conduzindo as suas vidas, sobre suas escolhas.
Em Lockdown Sartre, temos um inferno sem enxofre, fogo e torturas: é o inferno existencialista e a desconstrução do inferno cristão. A falta de liberdade, limitada pelos outros, é interpretada como sendo a pena, por excelência, do inferno. Num espaço subjetivo, um não-lugar, que é este inferno, três pessoas desconhecidas se encontram. Elas estão mortas. Não existem espelhos, nem janelas, e a única porta está trancada. A luz é contínua, não se apaga, numa reflexão sobre o vazio da vida e a falta de esperança. Um inferno onde todo o sofrimento é infligido pelos outros, pela incapacidade que cada um tem de fugir ao olhar e julgamento alheios. A morte é a objetivação final. Não há como mudar a história, nem como adotar novas posturas em relação aos outros e construir um novo sujeito.
A vida já foi vivida, decisões tomadas, não há como escapar dos rótulos: o covarde, a assassina ninfomaníaca, a condenada pela sua sexualidade e possessiva. Condenados a uma eternidade em companhia uns dos outros, mas alegando inocência de seus crimes. José Garcia, desertor, jornalista, falso e cruel com a esposa. Passa mais tempo preocupado com a opinião dos vivos sobre ele do que com a sua atual e eterna condição. Inês Serrano é uma manipuladora, ex-funcionária dos Correios, sarcástica e irônica. Não admite estar fora do comando da situação e odeia Garcia com a mesma intensidade que deseja Estela, bela esnobe emergente. Estela traiu seu marido diversas vezes, matou seu filho ainda bebê e não se arrepende. O inferno de Sartre é uma parábola da vida. Cada personagem vê no outro suas sombras, projeta seus demônios no outro, mas não se reconhecem torturadores, tóxicos. E mesmo precisando uns dos outros, não cedem. Na verdade, cada um tem prazer em desprezar, espezinhar e subjugar o outro. A clássica frase da peça, “o inferno são os outros”, sintetiza e encerra em si o que Sartre desejava ironicamente causar com sua peça, um clássico universal da literatura.
Serviço:
‘Lockdown Sartre’
Datas: 31/03 (quinta-feira) e 01/04 (sexta-feira)
Horário: 20h
Local: Teatro Judas Iscariotes (Rua José Marques Garcia, 395, Cidade Nova)
Convite: 1 kg de alimento não perecível. A doação é facultativa. É preciso chegar ao Teatro com 1 hora de antecedência para garantir o lugar
Classificação: Recomendável para maiores de 14 anos