Uma vida dedicada à profissão que se tornou uma paixão ainda nos tempos de criança. História contada com base em dificuldades, preconceitos, momentos de superação e reconhecimento na área que decidiu seguir. O advogado francano João Vicente Miguel conversou com a reportagem do jornal Verdade sobre a sua trajetória e explicou a visão do atual momento que o mundo está passando em relação a luta contra o racismo.
João começou a trabalhar aos 9 anos a pedido dos pais com o intuito de ajudar na renda familiar. Na época ele teve a primeira experiência como sapateiro, porém, esse não era o objetivo de vida do garoto. “Eu almejava algo mais. Às vezes saía na rua com a minha mãe e via aqueles homens de paletó e gravata, com sapatos sempre muito bem engraxados. Perguntava para ela o que deveria fazer para conseguir um serviço daquele”, disse.
No entanto, Vicente conta que a resposta de sua mãe era a mesma em todas as oportunidades. Para ela, aquele não era um tipo de serviço que se encaixaria na vida de João. E isso tinha um motivo: a cor da sua pele. “Depois de muitas tentativas, eu cheguei à conclusão que ela queria dizer que aquela área não era para nós, negros. Mas a partir daí, eu preferi pensar positivo e enfrentar essa situação, já que tinha um objetivo e fiz de tudo para alcança-lo”, afirmou.
A força de vontade de João foi um dos motivos para que ele conseguisse conquistar o que desejava. Isso porque ele estudou, até que teve a chance de trabalhar em um escritório de contabilidade e, anos depois, realizar o sonho de se tornar advogado. “Como disse Barack Obama: sim, nós podemos. Porém, é necessário querer e focar para conquistar esse projeto de vida. Para realizar um sonho é preciso querer muito que ele seja realizado”.
Mesmo com o sucesso dentro da profissão, João Vicente afirma que sofreu diversas vezes preconceitos na área. Mas na visão dele é fundamental enfrentar esse tipo de pensamento e combater com personalidade possíveis ofensas ou comentários por conta do tom de pele da pessoa. “Sempre que isso aconteceu eu me mantive de cabeça erguida. Entendo que o negro deve se impor e nunca andar de cabeça baixa, com medo ou insegurança, onde quer que ele vá. É necessário entender os direitos e exigir o cumprimento das leis”, disse.
Os casos de preconceito racial têm tomado proporções ainda maiores nas últimas semanas em todo o mundo. Movimentos de combate ao problema aconteceram, principalmente no Brasil e nos estados Unidos e tomaram às ruas de várias cidades, além de manifestações por meio das redes sociais.
Pode-se dizer que um dos motivos para a construção de estereótipos em relação a cor de pele vem do que é chamado de “Racismo estrutural” – um termo usado em uma base de discriminação encontrada na sociedade em geral com privilégios para determinadas raças, ao contrário do que acontece com outras.
Para João, um fator que chama a atenção e que deveria ser alterado é em relação as imagens que são passadas dentro das famílias. “Uma criança não nasce racista. Ela se torna dentro de casa com os próprios responsáveis e, em seguida, através do contato com a sociedade”, completou.
“Se mil vidas eu tivesse, em todas eu gostaria de voltar na pele negra”. A frase dita durante o bate-papo com João mostra o orgulho que ele tem de ser negro e a satisfação por tudo que tem acontecido em sua vida. Vicente finalizou com um apelo à população em busca de uma mudança na visão sobre o assunto. “Afinal de contas, somos todos iguais. Vamos torcer e esperar que talvez os nossos netos ou bisnetos tenham o privilégio de dizer, daqui a algumas décadas, que o racismo ficou apenas na história”.