Rafael Cervone*
A indústria brasileira trabalha firme para viabilizar, com abrangência e para o conjunto da economia, princípios e ações da economia circular. Tal agenda tem criado oportunidades para viabilizar novos modelos de negócios, a partir da adoção de tecnologias de ponta para a produção de bens inovadores, contribuindo para a economia de insumos, aproveitamento de resíduos e o reaproveitamento de materiais. No tema, o Brasil se destaca como um país provedor de soluções tecnológicas de alto impacto socioambiental, promovendo crescimento econômico aliado à preservação dos recursos.
A Fiesp/Ciesp e a CNI, entidades representativas do setor industrial brasileiro, trouxeram a São Paulo, em ação inédita, o 9ª Fórum Mundial de Economia Circular, unindo indústrias, empreendedores, autoridades e especialistas de mais de uma centena de países, para debater e imprimir velocidade às ações de economia circular, com técnica e equilíbrio.
Reunimos mais de 200 iniciativas com as boas práticas do setor produtivo, startups, inovações disruptivas, em demonstração clara de que, com os incentivos certos e sob boas políticas públicas, é indiscutível a capacidade da indústria brasileira de inovar com sustentabilidade.
O aumento da relevância do tema, impulsionado pela indústria, estabeleceu uma Estratégia Nacional de Economia Circular, a criação do Fórum Nacional de Economia Circular, além do Plano Nacional de Economia Circular, amplamente discutidos com todos os segmentos da sociedade brasileira, criando as diretrizes para o fomento das práticas.
Não obstante, o setor produtivo, em conjunto com representantes do poder público, executivo e legislativo, discutiu o texto que resultou no PL 1874/22, aprovado pelo Senado em 21/03/2024, de relatoria do senador Jaques Wagner (PT-BA), que institui a Política Nacional de Economia Circular. O projeto contempla o fomento à produção sustentável com inovação, competitividade e segurança jurídica.
A despeito dos mais de três anos de amplo debate, fomos surpreendidos por iniciativa da Câmara dos Deputados, em novo substitutivo sobre o tema, que institui a Política Nacional de Economia Circular, ao qual foram apensados 22 outros PLs, reunindo assuntos de natureza totalmente diversa. Tal substitutivo altera o texto do Senado e cria um oneroso labirinto de burocracias e exigências, que apenas agrava a insegurança jurídica, sem qualquer benefício social, ambiental ou econômico.
O texto estabelece dezenas de novas obrigações e imposições descabidas, cujo descumprimento acarretará punições que vão muito além do aceitável: multas de até 2% do faturamento bruto para infrações leves, limitadas a R$ 10 milhões; 3% para infrações graves, com teto de R$ 50 milhões; e até 4% para infrações gravíssimas, podendo chegar a R$ 100 milhões. Há, ainda, penalidades como apreensão de produtos, suspensão de atividades e cassação de licenças ambientais.
O substitutivo é um verdadeiro retrocesso a um tema que representa uma agenda positiva e de grandes oportunidades ao Brasil e que, até o momento, vinha sendo tratado sob a perspectiva do incentivo para a adoção de práticas mais sustentáveis. Como está agora, trata o tema sob perspectiva punitiva, de comando e controle, tornando-se mais um risco real de inviabilização do crescimento sustentável no país do que uma oportunidade. Compromete inclusive o enorme esforço para garantir o protagonismo brasileiro na agenda ambiental mundial.
É fundamental retomar os princípios norteadores da proposta original aprovada pelo Senado, assegurando que as vantagens comparativas do país se transformem em competitividade, demonstrando que é possível unir preservação ambiental com crescimento econômico e uma transição justa e inclusiva.
*Rafael Cervone é o presidente do Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (Ciesp) e primeiro vice-presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp).